Vital Psilo
Metanálise destaca as relações entre os psicodélicos, Rede de Modo Padrão e Teoria da Mente

Não é novidade que os seres humanos são animais sociais que utilizam dessa capacidade de conexão com o outro para prosperar como espécie. Essa é uma característica crucial para entender a sociedade de hoje. Portanto, não seria surpresa dizer que existem redes cerebrais especializadas na socialização, que propiciam nossa inteligência ou cognição social, e, por menores que sejam, seriam a forma como nos relacionamos com os outros. Essa habilidade foi selecionada evolutivamente, dada sua importância para a espécie humana.
As redes cerebrais formam conexões entre diferentes áreas do cérebro que apresentam funções distintas e, quando conectadas entre si, desempenham uma atividade específica. Uma rede cerebral especializada na socialização é conhecida na neurociência como Rede de Modo Padrão (Default Mode Network - DMN) (veja o post no blog). Essa rede é ativada quando não estamos focados em tarefas que demandem muita atenção ou esforço cognitivo e está relacionada ao chamado "ócio criativo"; quando ideias geniais podem surgir enquanto tomamos banho ou apenas observamos o teto. A DMN está ligada à associação de ideias e à geração de insights, permitindo a conexão lógica entre informações aparentemente desconexas.
Outra função cognitiva importante para nossa interação social é a Teoria da Mente (ToM). Através dela, somos capazes de entender os sentimentos, pensamentos e intenções de outras pessoas, o que é essencial para a empatia. A ToM nos permite utilizar informações sobre nós mesmos e nossos próprios sentimentos para compreender os sentimentos alheios.
Recentemente, um novo artigo publicado no periódico Neuroscience & Behavioral Reviews revelou uma intrigante sobreposição entre as áreas do cérebro envolvidas na cognição social e aquelas afetadas pelo uso de psicodélicos. Uma equipe de cientistas da Universidade de Coimbra conduziu uma metanálise de 88 estudos de neuroimagem, envolvendo mais de 2.000 participantes. Eles descobriram que as áreas do córtex cingulado, giro temporal e frontal são ativadas tanto em tarefas que envolvem a cognição social quanto durante o uso de psicodélicos. O destaque foi dado ao córtex cingulado anterior, que está relacionado à percepção do eu, e ao córtex cingulado posterior, responsável pelas memórias autobiográficas episódicas.
Essa sobreposição sugere que os psicodélicos podem modular nossa compreensão de nós mesmos e nossa interação com o ambiente e os outros. Surpreendentemente, os pesquisadores também notaram que os psicodélicos não desativam a DMN, como se pensava anteriormente. Ao contrário, eles parecem influenciar as regiões da DMN que estão envolvidas nas funções sociais e da ToM. Essa descoberta pode explicar os efeitos terapêuticos dessas substâncias em distúrbios que afetam essas funções, como a depressão, ansiedade e transtorno por uso de substâncias, promovendo uma mudança de perspectiva através da neuroplasticidade (veja o post no blog).
Embora essas descobertas sejam promissoras, ainda há muitas perguntas a serem respondidas na neurociência. Compreender melhor as relações entre a DMN, ToM e o uso de psicodélicos pode nos auxiliar no desenvolvimento de novas terapias para distúrbios que afetam nossa capacidade de nos relacionarmos e entendermos os outros, bem como aprofundar nosso entendimento sobre nós mesmos.
O artigo está disponível na íntegra:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0149763423002944?via%3Dihub
Referência
Soares C, Gonzalo G, Castelhano J, Castelo-Branco M. The relationship between the default mode network and the theory of mind network as revealed by psychedelics - A meta-analysis. Neurosci Biobehav Rev. 2023 Jul 17;152:105325. doi: 10.1016/j.neubiorev.2023.105325.
* Post elaborado em colaboração com os autores Murilo (IG @muribernardoo) e Fernando (IG @_fernando.jakaitis). Muito obrigado!